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Espiritualidade de consumo
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Nosso tempo nos desafia com uma grande e perigosa tentação: a possibilidade de viver uma “espiritualidade de produção”, ou seja, de querer e de buscar por um Deus que funciona e que seja eficiente. Uma tentação que certamente nos levaria a rever muitos dos nossos conceitos e, para ajudar nesse processo de bem refletir, Santo Agostinho é de uma ajuda inestimável, “O que buscamos quando buscamos a Deus?”
Desconfio que a espiritualidade de muitos sofra de uma extrema parcialidade. É, portanto, uma patologia redutora e que impede de perceber a plenitude da verdadeira espiritualidade centrada na vida de Jesus. Mas como é difícil a imitação de Cristo, seu seguimento e, muito mais, nos conformar ao Cristo na estrada do discipulado. Não haveria um evangelho mais fácil e com menos exigência?
Mais vale para alguns viver perdidos em simulacros de vida cristã e, assim, transformar a espiritualidade em uma teologia positiva, feito Ali Babá que, ao se expressar pronunciando as palavras corretas fazia com que a montanha cheia de tesouro se abrisse diante de seus olhos. Na verdade, não se deseja Deus, mas sim uma corporação religiosa que ensine quais os segredos da vida e que, enfim, conduza os fiéis ao aburguesamento da fé. Prefere-se, nesse sentido, um Deus domesticado e engaiolado que esteja sempre à nossa disposição.
Não queremos Jesus com suas exigências de discipulado. Desejamos de todo o coração, uma religião absolutamente pragmática e de respostas imediatas. Não queremos estudar as Sagradas Escrituras e, por isso, fugimos de qualquer reflexão crítica que nos leve a qualquer tipo de compromisso que implique na perda de lucros materiais. Queremos homilias bem preparadas desde que elas afaguem nosso ego e nos lembrem constantemente das muitas promessas que precisamos “reivindicar” e que evitem, acima de tudo, chamar nossa atenção para uma transformação interior. Não queremos discipulado. Buscamos, sim, prozac religioso! Evitamos a seriedade da Eucaristia que nos insere na realidade viva do Cristo solidário com os mais vulneráveis e nos comprometemos avidamente com um fast food espiritual que afaste todo e qualquer tipo de tribulação e que ainda por cima garanta a plena prosperidade.
A espiritualidade é chamada a ser um oásis em meio ao deserto. Sua relevância é caracterizada justamente por transpirar vida onde apenas existe o cheiro de morte. A espiritualidade não pode ser reduzida a entretenimento religioso. Não podemos permitir que uma prática de espiritualidade danosa transforme as Igrejas em organismos sem relevância social e marcada pelo cinismo, pela indolência e dissimulação de seus muitos membros.
Deve-se construir uma espiritualidade relevante que leve a ter fome de Deus e de seu Reino e que renegue, peremptoriamente, o desejo insano de se deixar dominar pela fome do consumo religioso e pelos embalos de discursos religiosos muitas vezes vazios e sem qualquer tipo de compaixão.
Penso que espiritualidade é buscar Deus por causa de Deus. Aprendi a repetir constantemente e a internalizar em meu coração uma das orações mais preciosas que poderíamos fazer: “Meu Deus e meu tudo”. Dessa forma nos libertamos do desejo inconsequente de querer transformar Deus à nossa imagem e semelhança.
Autor: Luiz Alexandre Solano Rossi é professor na graduação em Teologia Interconfessional do Centro Universitário Internacional Uninter.